sábado, 20 de setembro de 2008

Folha de Outono
























Manhã fria,
O nevoeiro inundava-me os poros como nunca,
Estava no meio de uma floresta nua de Outono,
Via os braços despidos das mulheres de madeira,
Os seus cabelos em riste e firmes,
Ao longe, bem ao longe,
Ouvia um silvo, mas que silvo?
O zumbido trespassava-me o tímpano,
Com medo fechava as pálpebras,
Cerrava os lábios,
Por momentos e, só por momentos,
Não havia som,
Tacto,
Paladar,
Olfacto,
Melhor do que tudo,
Não sentia frio…
Estava em berço de aurora…

Abro em livro de capa rija todos os meus sentidos,
Corro dentro de mim,
Agarro de unhas e dentes as minhas cordas vocais,
Vejo a Luz,
Estou cada vez mais perto,
Sim! Estou mais perto!
Quando a luz já me queimava a retina,
Grito
Ténue
Frágil
Não era o que esperava,
Imaginava algo,
Estridente
Roda dentada em roda dentada enferrujada
Algo que fizesse Eco, sabes?
Só mais tarde,
Que não muito mais tarde,
Entendi!
Não era por minha culpa,
Que a minha voz não rasgou rédeas,

Flashback:
Um pardal castanho havia-me seguido,
Seguido pé ante pé pelo orvalho da floresta,
Quando cerro o meu andar,
Exactamente antes de ouvir um tal de silvo,
O pequeno Pardal migra,
Até ao miradouro da minha ombreira,
E em minúcia,
Aproxima o seu pequeno bico amarelo do meu ouvido,
E qual o meu espanto quando o chilrear,
O tão aguardado chilrear,
Se transforma em verbos,
Em sílabas,
Ele falava a minha língua,
Ou seria eu que falava a sua?
Olhei para as minhas mãos,
Mas mãos não vi,
Tinha ganho penas em vez de dedos
Cinco, Não!
Milhares!
Foi então que me assustei,
Mas por pouco tempo,
O pequeno Pardal pôs a sua asa esquerda sobre a minha orelha direita,
E formou uma espécie de concha em seu redor
Um berço, por assim dizer

- Quando perderes os sentidos. Quando sentires que a falta e frio é algo que te aflige.
Quando quiseres gritar e, te faltar o pio. Não te assustes, não te assustes meu pequeno petiz. O Silvo será o grito de uma nova aurora, um novo amanhecer, ele será o presságio de algo, de algo que tão cedo, a tua consciência não terá de se esforçar para entender a sua chegada, o seu sentido…

Sentido…enquanto esta palavra ainda derretia lentamente, como gelado em café com leite quente no meu ouvido,
Senti um doce brisa,
Que logo entendi ser a despedida do pequeno Pardal,
Ainda de fuga,
Na nesga da minha íris,
Vi as suas castanhas e brilhantes penas,
Perderem-se no raio de luz,
Que vinha trespassando os labirintos de troncos,
Foi assim que ele desapareceu,
À velocidade da luz,
Num raio de luz!

Presente!
Foi então que tudo aconteceu,
O meu grito não ecoou,
Muito menos fez-se ouvir,
Mas o Silvo,
Esse era único,
Ao longe algo castanho vinha dos céus,
Julguei ser o Pardal que voltara,
Mas não,
Este descrevia movimentos ondulantes e incertos,
Como se fosse beijado pelo vento,
Foi aos poucos,
Que a minha retina foi traduzindo para o meu inquieto cérebro,
Que aquela textura que de lá vinha,
Era nada mais que uma muito pequena folha,
Uma pequena folha de Outono,
Alguém havia desligado o som de tudo o que me rodeava,
E só tinham deixado um canal aberto,
Ouvia como ninguém o seu esvoaçar,
Cada vez mais perto até ao seu chegar,
Estava imobilizado,
De olhos esbugalhados,
Foi então que ela bateu na minha face,
Afinal não era tão pequena assim,
Cobria-me por completo a cara,
O vento contrário fazia questão que se mantivesse presa em mim,
Tentei respirar,
E Respirei,
Tinha um aroma de natureza,
De uma natureza única,
Como se me tivessem dado para cheirar um elixir de estratos de toda a floresta,
Deixei-me levar,
Não sei por quanto mais tempo ali fiquei,
Mas sim, fiquei.
Foi então que os nervos da folha se transformaram,
Começava a ganhar outra textura,
Era algo mais esponjoso mas macio,
Suava a algo familiar, mas não havia ainda encontrado um adjectivo,
Um sinónimo que seja,
Sim eras Outono,
Sim vieste do passar das estações,
Desprendeste-te dos ramos,
E deste-te ao vento,
Agora aqui estás em metamorfose,
E eu vejo.
Sou espectador.
Já não és uma folha,
És agora um grande Cachecol de lã castanho,
Que me envolve o pescoço e um pouco da boca,
Como gola alta,
Olho em frente e vejo o pardal para lá da iluminada colina
Sei que é por ali a “estrada dos tijolos amarelos”,
Tremo de mim e aconchego,
E digo-te:

- Obrigado Folha de Outono em cachecol mel, já não sinto frio… -

Os ramos agora despidos das árvores, vêem a minha silhueta em contra luz desaparecer para lá da colina.

O nevoeiro inunda o silêncio da Floresta,
E a marca dos meus pés ainda estão no mesmo chão,
Que não outro.

Desapareci!

Foto e Conto: David La Rua

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