domingo, 21 de setembro de 2008

Chuva pelo Correio



Uma casa de madeira
Pintada de fresco a branco pérola
Uma porta pequena de cor vermelha
Um tapete de folhas
Um “seja bem-vindo!”
Uma maçaneta de bronze.
Uma máquina de escrever a pingar
Um caderno caído no chão
Um gato que passa no fundo do corredor.
Olha, mas não pára.
Um quadro que retrata um quadro.
Na parede.
Na parede.
O som de uma chaleira.
A água ferve.
Ferve!
Uma cortina de renda ao vento.
A janela está aberta.
Uma folha entra no quarto.
Laranja.
A sua cor é laranja.
O som metálico de um espanta espíritos.
Uma criança que se ri ao longe.
O eco do baloiço.
Uma cama alta.
Um lençol de eras.
Uma mesa-de-cabeceira.
Uma marca de chávena de café.
Sobre o jornal.
Sobre o livro.
Sobre a poesia num lenço de papel.
Uma máquina de costura.
A agulha a encruzilhar-se.
Um puzzle junto de uma lareira acesa.
Um cavalete no alpendre.
Final de tarde!
Uma tela em branco pendurada no estendal.
Um frasco de mel aberto ao sol.
Reluz
Reluz.
Uma mão em pó de talco.
Uma pupila a dilatar.
Um sopro no ouvido.
Um dedo na nuca.
Uma pestana no seio despido de uma mulher.
A pele nua.
Nua em luz de petróleo.
O braço contornado nas ancas.
Um lápis de carvão.
Um dedo húmido.
Transpira.
Soa.
Suspira.
Uma brisa.
Alguém que respira.
Dentro,
De nós,
Connosco,
Por dentro,
Avesso,
Visceral e carnal,
Grito,
Âmago.
Uma carta aberta,
Um selo lambido.
Uma musica antiga,
Sem nome,
Choras,
Choro contigo,
Sal,
Um rio no parapeito das tuas clavículas,
Um peixe vermelho sem escamas,
Uma árvore na sala,
Romã
Uma romã cai no tapete,
Aberto,
Sumo no chão,
O gato bebe.
Cabelo solto.
Uns olhos fechados.
Uma boca por beijar.
Amar e profanar.
Uma mão na cintura.
Uma vela em rewind.
Chama.
Do fim para a génese.
Papel vegetal numa mesa.
Frutos por embrulhar.
Frutos secos.
Tons de pastel seco.
Duvidar da saturação.
O esboço de um ventre.
A barriga de uma grávida.
A pele rosada.
A mão de um homem na coluna de uma mulher.
Contraluz.
Amarelo.
Torrado
Seco.
Duvidar da Saturação.
Um som que nos lembra a infância.
Um cheiro que nos lembra a infância.
Um paladar que nos lembra a infância.
Um olhar que nos lembra quem fomos.
Uma bola de borracha a cair desamparada,
Chão de madeira envernizado.
A bola saltita.
Um pião num tampo de mármore.
Roda
Roda
Roda
O Cordão na mão de uma criança.
Roda
Roda
Roda
O som de um berlinde contra outro berlinde.
Um frasco de vidro a ser enchido por berlindes.
Tinta digital.
Uma mão cheia de tinta.
Uma bata cheia de tinta.
Um salão de baile vitoriano cheio de sapatos espalhados.
Um copo de vinho no cimo de uma mesa.
Tinto.
Um dicionário de palavras difíceis.
Um marcador vermelho.
O cheiro de um livro antigo.
O cheiro das páginas de um livro antigo.
Frases feitas!
Frases por inventar!
Uma nova língua!
Meia-luz.
Luz indirecta.
Uma banheira cheia.
Pés encarquilhados.
Um arrepio.
Outro…
Uma casa de madeira
Pintada de fresco a branco pérola
Uma porta pequena de cor vermelha
Um tapete de folhas…
Posso…
Posso tocar-te?!
Um grito na terra.
O cheiro da relva nas mãos.
É Outono…
É Outono…
A gota já me beijou o lábio



Composição e Texto: David La Rua

Sem comentários: