terça-feira, 30 de setembro de 2008

e eu espero de olhos vendados e relógios de bolso



Foto: Raquel Fialho
Composição/edição: David La Rua

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Tears over a red square and two golden keys



Tenho hoje um aperto tão grande no coração...tão grande,
Assim como se o estivessem a puxar com panos molhados
A consumir os meus pulmões,
O meu respirar,
Assaltantes de suspiros,
E inspirações desmedidas e arrítmicas,
Assim, assim como se estivesse envolto numa enorme bola de sabão em vácuo,
Onde todos os meus sentidos são medidos a conta-gotas,
A compasso de precisão.
Que ar é este que me sai pela boca,
Que inebria,
Que me contamina os meus olhos,
Em rasgos de loucura temporária,
Espasmos de lágrima.
Pudesse eu ser uma camisola e virar-me do avesso.
Ser inverso a isto que sinto,
Seria, seria essa mesma camisola
Mesmo a menos requintada das lãs
queria...queria…


Composição e Texto: David La Rua

I have a Mondrian in my Guest Room

The Mondrian in my Guest Room was stolen

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

I have a secret code for you



Era ela quem me rendilhava os dias
Em novelos de lã pura,
Em sopros leves sobre o fino tecido da minha pele,
A sua lufada como canto aos meus ouvidos,
Com o seu toque bordado bem no centro do meu peito.
Era eu o linho do lençol na Primavera,
Era eu cachecol para dias de inverno,
Era…Era,
Mas sou,
Loucura de Verão
E maresia de Outono,
Sou em ti o passar das estações,
Oh doces mãos que me rendilham os dias…
Saudades minha poesia

Composição e Texto: David La Rua

I Have a Fog in My Head



Composição: David La Rua

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There's a little child
Running round this house
And he never leaves
He will never leave
And the fog comes up from the sewers
And glows in the dark

Baby alligators in the sewers grow up fast
Grow up fast
Anything you want it can be done
How did you go bad?
Did you go bad?
Did you go bad?
Somethings will never wash away
Did you go bad?
Did you go bad?

Radiohead - Fog

domingo, 21 de setembro de 2008

Chuva pelo Correio



Uma casa de madeira
Pintada de fresco a branco pérola
Uma porta pequena de cor vermelha
Um tapete de folhas
Um “seja bem-vindo!”
Uma maçaneta de bronze.
Uma máquina de escrever a pingar
Um caderno caído no chão
Um gato que passa no fundo do corredor.
Olha, mas não pára.
Um quadro que retrata um quadro.
Na parede.
Na parede.
O som de uma chaleira.
A água ferve.
Ferve!
Uma cortina de renda ao vento.
A janela está aberta.
Uma folha entra no quarto.
Laranja.
A sua cor é laranja.
O som metálico de um espanta espíritos.
Uma criança que se ri ao longe.
O eco do baloiço.
Uma cama alta.
Um lençol de eras.
Uma mesa-de-cabeceira.
Uma marca de chávena de café.
Sobre o jornal.
Sobre o livro.
Sobre a poesia num lenço de papel.
Uma máquina de costura.
A agulha a encruzilhar-se.
Um puzzle junto de uma lareira acesa.
Um cavalete no alpendre.
Final de tarde!
Uma tela em branco pendurada no estendal.
Um frasco de mel aberto ao sol.
Reluz
Reluz.
Uma mão em pó de talco.
Uma pupila a dilatar.
Um sopro no ouvido.
Um dedo na nuca.
Uma pestana no seio despido de uma mulher.
A pele nua.
Nua em luz de petróleo.
O braço contornado nas ancas.
Um lápis de carvão.
Um dedo húmido.
Transpira.
Soa.
Suspira.
Uma brisa.
Alguém que respira.
Dentro,
De nós,
Connosco,
Por dentro,
Avesso,
Visceral e carnal,
Grito,
Âmago.
Uma carta aberta,
Um selo lambido.
Uma musica antiga,
Sem nome,
Choras,
Choro contigo,
Sal,
Um rio no parapeito das tuas clavículas,
Um peixe vermelho sem escamas,
Uma árvore na sala,
Romã
Uma romã cai no tapete,
Aberto,
Sumo no chão,
O gato bebe.
Cabelo solto.
Uns olhos fechados.
Uma boca por beijar.
Amar e profanar.
Uma mão na cintura.
Uma vela em rewind.
Chama.
Do fim para a génese.
Papel vegetal numa mesa.
Frutos por embrulhar.
Frutos secos.
Tons de pastel seco.
Duvidar da saturação.
O esboço de um ventre.
A barriga de uma grávida.
A pele rosada.
A mão de um homem na coluna de uma mulher.
Contraluz.
Amarelo.
Torrado
Seco.
Duvidar da Saturação.
Um som que nos lembra a infância.
Um cheiro que nos lembra a infância.
Um paladar que nos lembra a infância.
Um olhar que nos lembra quem fomos.
Uma bola de borracha a cair desamparada,
Chão de madeira envernizado.
A bola saltita.
Um pião num tampo de mármore.
Roda
Roda
Roda
O Cordão na mão de uma criança.
Roda
Roda
Roda
O som de um berlinde contra outro berlinde.
Um frasco de vidro a ser enchido por berlindes.
Tinta digital.
Uma mão cheia de tinta.
Uma bata cheia de tinta.
Um salão de baile vitoriano cheio de sapatos espalhados.
Um copo de vinho no cimo de uma mesa.
Tinto.
Um dicionário de palavras difíceis.
Um marcador vermelho.
O cheiro de um livro antigo.
O cheiro das páginas de um livro antigo.
Frases feitas!
Frases por inventar!
Uma nova língua!
Meia-luz.
Luz indirecta.
Uma banheira cheia.
Pés encarquilhados.
Um arrepio.
Outro…
Uma casa de madeira
Pintada de fresco a branco pérola
Uma porta pequena de cor vermelha
Um tapete de folhas…
Posso…
Posso tocar-te?!
Um grito na terra.
O cheiro da relva nas mãos.
É Outono…
É Outono…
A gota já me beijou o lábio



Composição e Texto: David La Rua

sábado, 20 de setembro de 2008

Chuva por'entre as minhas veias























A chuva,
A chuva como um ninho de dor,
Um ninho de permutas.
As veias que dela bebem,
São sôfregas de vermelho,
Sôfregas de ar.
A chuva que hoje cai,
Bem no centro da palma da minha mão,
São gotas invisíveis,
Impalpáveis.
Seriam elas a prova do meu tacto,
O meu gasto tacto.
Mas ao invés,
No revés dessa medalha de medos,
É a nota declaratória do meu manto,
O meu manto cinzento.
Visto-o. Agasalho-me.
Abotoou-me até à última das casas.
Sem janela.
Sem porta.
É com a face molhada.
E por’entre o nevoeiro da melancolia,
Que suspiro o teu nome.
Ninguém me vê…
Ninguém me reconhece…
Sou nascido,
E por ele morro,
Vem, vem mão de Inverno sobre o meu peito.

Domingo, 21 de Setembro 2008

Foto e Texto: David La Rua

The cherry blossom girl
























A Estação das Cerejas

Eu hei-de ser das cerejas,
da vertigem dos cardumes,
do mistério dos pardais
Hei-de ser o que tu sejas,
aquilo a que te resumes:
as orações naturais

Eu hei-de ser vento norte.
Rir-me na cara da morte.
A dança do colibri
Mas hei-de ser do meu peito,
desta dor com que me deito
só porque me dói de ti

Eu hei-de ser das cerejas,
do luar na primavera,
labirinto de prazer…
Hei-de ser o que desejas
que por ti sabes que espera
enquanto a lua quiser

eu hei-de ser do nada
como a papoila encarnada
que nada fez por nascer.
Hei-de nascer tua amada,
sem uma razão nem nada,
mas só porque tem de ser.

Foto: David La Rua

poema:
joão monge / joão maria dos anjos

Folha de Outono
























Manhã fria,
O nevoeiro inundava-me os poros como nunca,
Estava no meio de uma floresta nua de Outono,
Via os braços despidos das mulheres de madeira,
Os seus cabelos em riste e firmes,
Ao longe, bem ao longe,
Ouvia um silvo, mas que silvo?
O zumbido trespassava-me o tímpano,
Com medo fechava as pálpebras,
Cerrava os lábios,
Por momentos e, só por momentos,
Não havia som,
Tacto,
Paladar,
Olfacto,
Melhor do que tudo,
Não sentia frio…
Estava em berço de aurora…

Abro em livro de capa rija todos os meus sentidos,
Corro dentro de mim,
Agarro de unhas e dentes as minhas cordas vocais,
Vejo a Luz,
Estou cada vez mais perto,
Sim! Estou mais perto!
Quando a luz já me queimava a retina,
Grito
Ténue
Frágil
Não era o que esperava,
Imaginava algo,
Estridente
Roda dentada em roda dentada enferrujada
Algo que fizesse Eco, sabes?
Só mais tarde,
Que não muito mais tarde,
Entendi!
Não era por minha culpa,
Que a minha voz não rasgou rédeas,

Flashback:
Um pardal castanho havia-me seguido,
Seguido pé ante pé pelo orvalho da floresta,
Quando cerro o meu andar,
Exactamente antes de ouvir um tal de silvo,
O pequeno Pardal migra,
Até ao miradouro da minha ombreira,
E em minúcia,
Aproxima o seu pequeno bico amarelo do meu ouvido,
E qual o meu espanto quando o chilrear,
O tão aguardado chilrear,
Se transforma em verbos,
Em sílabas,
Ele falava a minha língua,
Ou seria eu que falava a sua?
Olhei para as minhas mãos,
Mas mãos não vi,
Tinha ganho penas em vez de dedos
Cinco, Não!
Milhares!
Foi então que me assustei,
Mas por pouco tempo,
O pequeno Pardal pôs a sua asa esquerda sobre a minha orelha direita,
E formou uma espécie de concha em seu redor
Um berço, por assim dizer

- Quando perderes os sentidos. Quando sentires que a falta e frio é algo que te aflige.
Quando quiseres gritar e, te faltar o pio. Não te assustes, não te assustes meu pequeno petiz. O Silvo será o grito de uma nova aurora, um novo amanhecer, ele será o presságio de algo, de algo que tão cedo, a tua consciência não terá de se esforçar para entender a sua chegada, o seu sentido…

Sentido…enquanto esta palavra ainda derretia lentamente, como gelado em café com leite quente no meu ouvido,
Senti um doce brisa,
Que logo entendi ser a despedida do pequeno Pardal,
Ainda de fuga,
Na nesga da minha íris,
Vi as suas castanhas e brilhantes penas,
Perderem-se no raio de luz,
Que vinha trespassando os labirintos de troncos,
Foi assim que ele desapareceu,
À velocidade da luz,
Num raio de luz!

Presente!
Foi então que tudo aconteceu,
O meu grito não ecoou,
Muito menos fez-se ouvir,
Mas o Silvo,
Esse era único,
Ao longe algo castanho vinha dos céus,
Julguei ser o Pardal que voltara,
Mas não,
Este descrevia movimentos ondulantes e incertos,
Como se fosse beijado pelo vento,
Foi aos poucos,
Que a minha retina foi traduzindo para o meu inquieto cérebro,
Que aquela textura que de lá vinha,
Era nada mais que uma muito pequena folha,
Uma pequena folha de Outono,
Alguém havia desligado o som de tudo o que me rodeava,
E só tinham deixado um canal aberto,
Ouvia como ninguém o seu esvoaçar,
Cada vez mais perto até ao seu chegar,
Estava imobilizado,
De olhos esbugalhados,
Foi então que ela bateu na minha face,
Afinal não era tão pequena assim,
Cobria-me por completo a cara,
O vento contrário fazia questão que se mantivesse presa em mim,
Tentei respirar,
E Respirei,
Tinha um aroma de natureza,
De uma natureza única,
Como se me tivessem dado para cheirar um elixir de estratos de toda a floresta,
Deixei-me levar,
Não sei por quanto mais tempo ali fiquei,
Mas sim, fiquei.
Foi então que os nervos da folha se transformaram,
Começava a ganhar outra textura,
Era algo mais esponjoso mas macio,
Suava a algo familiar, mas não havia ainda encontrado um adjectivo,
Um sinónimo que seja,
Sim eras Outono,
Sim vieste do passar das estações,
Desprendeste-te dos ramos,
E deste-te ao vento,
Agora aqui estás em metamorfose,
E eu vejo.
Sou espectador.
Já não és uma folha,
És agora um grande Cachecol de lã castanho,
Que me envolve o pescoço e um pouco da boca,
Como gola alta,
Olho em frente e vejo o pardal para lá da iluminada colina
Sei que é por ali a “estrada dos tijolos amarelos”,
Tremo de mim e aconchego,
E digo-te:

- Obrigado Folha de Outono em cachecol mel, já não sinto frio… -

Os ramos agora despidos das árvores, vêem a minha silhueta em contra luz desaparecer para lá da colina.

O nevoeiro inunda o silêncio da Floresta,
E a marca dos meus pés ainda estão no mesmo chão,
Que não outro.

Desapareci!

Foto e Conto: David La Rua